Home Crônicas Um dia como todos os outros. Ou quase…

Um dia como todos os outros. Ou quase…

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Airton Gontow

Hoje, como em todos os dias da semana, o despertador avisou que eram 5h30 da manhã e que era hora de acordar, porque começa mais um dia de trabalho.

Pela janela dava para perceber que seria um dia encantador, de muito sol. Mas não havia tempo para contemplação, já que pela manhã tudo deve ser preparado rapidamente, com certa correria, mas sem estresse, para o dia começar bem.

Seguimos a nossa rotina, como na canção do Chico: “Todo o dia ela faz tudo sempre igual, me sacode às seis horas da manhã, me sorri um sorriso pontual…” Mas gostamos da rotina e tentamos transformá-la, diariamente, em algo prazeroso.

Enquanto Maria foi para o banho, desci para fazer o café. Esquentei a água, coloquei os pratos, talheres, xícaras…tudo harmoniosamente e com cada lado simétrico ao lado oposto, como um espelho. Como sempre, coloquei à mesa queijo branco, sucrilhos, linhaça, flocos, manteiga…Desta vez havia também salada de frutas, que Maria fez ontem à noite, antes de dormir, com frutas tão picadinhas, cada pedaço tão pequenininho, que mereceu meu espanto de admiração: “nossa, como tu te preocupas com cada detalhezinho!”

Na hora em que Maria desceu fui ao toalete, para também ficar pronto para mais uma jornada de trabalho. Quando retornei à cozinha, lá estava, de surpresa, o chimarrão que Maria, maneiramente preparou, com a erva Barão, uma das minhas prediletas, que ela buscou ontem mesmo no supermercado. Maneiramente, mas não mineiramente, já que a minha mineirinha de Dores do Indaiá prepara chimarrão melhor do que muitas gaúchas que conheço. Melhor que este gaúcho aqui, que saiu tão cedo dos Pampas…Também havia torradas, com a torradeira novinha em folha, que compramos para tornar nossos poucos minutos matinais ainda mais saborosos.

Sentamos à mesa e tomamos café rápida e preguiçosamente, como sempre com surpreendentemente muito assunto para um casal que se vê todos os dias.

Já era hora de Maria ir embora. Por isso, deu-me um beijinho e começou a sair. Mas eu quis mais um, e fiz um beicinho, com jeito de carente, mostrando que ela deveria repetir a dose, agora mais demoradamente…

Aí sentei para sorver o chimarrão e ler o jornal que Maria havia deixado, como todos os dias, em cima da mesa da sala.

O jornal nosso de cada dia.

O café nosso de cada dia.

O amor nosso de cada dia.

Ao sair da garagem, Maria se deparou com um motoqueiro que, com arma na mão, exigiu dinheiro, celular…até a aliança. Sem querer, Maria tocou na buzinha, mas logo disse: “Desculpe, moço, foi sem querer”. Ele respondeu: “sua idiota, quando tem de acontecer acontece…”.

Na frente, uma vizinha, com a filha de dois ou três anos, viu a cena, mas ficou com medo de gritar. “De repente, ele se assusta e atira na sua esposa. Ou aqui na minha janela. Minha filhinha estava junto. Além disso, eu não tinha certeza, porque não tinha visto a arma”, explicou. Ela até que agiu rapidamente: foi ao telefone e ligou para a polícia. “Acho que minha vizinha está sendo assaltada por um motoqueiro”, disse.

O policial indagou: “qual é a placa da moto?” Como ela não tinha, o policial explicou que não podia fazer nada. Não pediu nem o endereço da provável ocorrência. Apenas disse: “Deixe que sua vizinha ligue, então…”

Tudo foi muito rápido. O portão automático não funcionou direito e Maria descera do carro para completar, com as mãos, a operação. Foi aí que o motoqueiro encostou.

Talvez se eu tivesse visto que o portão estava travado – e saído para ajudar a fechar o mesmo – o assaltante não parasse e fosse procurar por um outro alvo mais fácil.

Talvez se eu tivesse percebido o que acontecia e saído para a nossa rua tranquila e aprazível, o rapaz tivesse se assustado, disparado contra a Maria, contra mim ou mesmo tivesse entrado na casa, com consequências imprevisíveis.

Talvez se a vizinha tivesse gritado…

Enquanto Maria chorava, abraçada comigo, ao lado do carro, a vizinha desceu com sua filha e disse: “Graças a Deus que não aconteceu comigo. Já pensou se eu tivesse saindo com a minha filhinha, naquele momento?” Vimos então uma outra vizinha saindo com seu cachorro para o passeio matinal: “Sorte que não saiu há cinco minutos. Se tivesse presenciado a cena, talvez berrasse e o ladrão poderia ter se assustado”, comentamos.

Hoje pela manhã nossa doce rotina poderia ter sido a mesma. Não foi.

Mas São Paulo e o Brasil seguiram sua rotina diária de violência e insegurança urbana: pessoas acordaram, se prepararam para o trabalho e se preocuparam em dar para a família um bom começo de dia e foram assaltadas. Em plena luz do dia. Em pleno dia de sol. Na porta da própria casa. Em uma rua tranquila e aprazível.

Levaram a aliança, que entreguei há dois meses e pouco, à meia-noite do dia 11 para 12 de dezembro (início do aniversário da Maria), na frente da Torre Eifel, que estava brilhando: “Nossa, que coincidência. Estamos aqui na frente justamente na hora do teu aniversário. Vamos aproveitar este momento mágico. Feche os olhos e faça um pedido”, eu disse, fingindo que era um acaso. “Fechou? Então vou fazer um pedido também!” Maria abriu os olhos e viu, com a Torre Eifel brilhando ao fundo, mas com meus olhos brilhando muito mais, aquela caixinha com duas alianças que eu trouxera escondida, no meio das minhas coisas, lá do Brasil…

Hoje pela manhã levaram a aliança, dinheiro, celular e a segurança de sair tranquilo de casa pela manhã, nesta rua tranquila e aprazível.

Hoje pela manhã São Paulo teve um dia como todos os outros.

E ainda temos de agradecer a Deus a sorte ou benção de ter sido apenas um assalto.

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